MORRER É MORRER, SEJA DA DOENÇA OU DA CURA

A consultora Capital Economics considera que Angola vai crescer pouco até 2025, devido aos preços e produção baixas, com a elevada inflação a levar o banco central a subir os juros para 22% até final de 2024. Acrescente-se que esta análise não foi validade pelos donos do país, o MPLA.

Escrevem os analistas desta consultora britânica num relatório com a actualização das previsões para o terceiro trimestre deste ano, que “a economia de Angola, dependente da evolução do petróleo, enfrenta um duplo golpe dos preços baixos e da redução da produção; antecipamos que o crescimento continue fraco até 2025”.

No relatório, enviado aos clientes, a Capital Economics prevê que Angola cresça 2,5% este ano, abrandando face aos 3,3% registados no ano passado, e abrande ainda mais a expansão económica, para 1% em 2024 e 1,5% em 2025.

“A produção petrolífera enfraqueceu desde o final do ano passado, registando um mínimo de 1,01 milhões de barris diários em Março, o valor mais baixo dos últimos 19 anos, o que reflecte muitos anos de subinvestimento, e por isso a produção deverá continuar fraca durante o período das previsões”, ou seja, até 2025, escrevem os analistas.

Além da redução de preços e produção de petróleo, a Capital Economics considera também que a moeda angolana (o kwanza) vai continuar a desvalorizar-se (se isso ainda for possível já que, nesta altura, bateu no fundo), um movimento mais notório depois da recente eliminação dos subsídios estatais aos combustíveis, que fez disparar os preços e levou a várias manifestações.

“A inflação manteve-se a cair, mas a renovada depreciação do kwanza fez com que a inflação começasse a subir, um movimento que vai continuar nos próximos meses; os cortes aos subsídios só vão acentuar a dinâmica da inflação, por isso antecipamos que o banco central vá subir as taxas de juro, dos atuais 17% para 22% até ao final de 2024”, antecipam os analistas.

Para o conjunto dos países da África subsaariana, a Capital Economics prevê que a região abrande o crescimento este ano, de 3,6% em 2022 para 2,6% este ano, e acelere para 3,1% e 2,5% nos próximos dois anos.

Recorde-se que no passado dia 17 de Maio, outra consultora (a Oxford Economics Africa) considerou que o aumento da inflação em Angola, em Abril face ao mês anterior, iria acentuar-se na segunda metade deste ano, embora abaixo dos níveis historicamente altos dos últimos anos.

Escreveram os analistas, num comentário à evolução dos preços no reino do MPLA, que “ao contrário da maior parte do resto do mundo, Angola registou uma sólida desinflação no ano passado, e baixou as suas taxas de juro, principalmente devido a um fortalecimento da moeda nacional no ano passado, em comparação com 2021, e um declínio geral nos preços mundiais dos alimentos desde Maio de 2022”.

“O kwanza, no entanto, tem depreciado nos últimos trimestres devido à queda global dos preços do petróleo, e prevemos que vá continuar a depreciar-se frente ao dólar no final de 2023”, lê-se.

No comentário, enviado aos clientes, o departamento africano da Oxford Economics considera que “o impacto desta desvalorização vai começar a mostrar-se numa inflação moderadamente mais alta no segundo semestre deste ano, ainda que bem melhor que o aumento de preços de 21,3% em 2021 e 12,1% em 2022”, escrevem os analistas.

O resultado mais imediato da desvalorização do kwanza é o aumento dos preços. Uma moeda fraca é uma moeda sem circulação monetária fora das fronteiras de Angola, longe de afectar exclusivamente os preços dos bens e serviços importados, afecta também todos os preços internos, inclusive dos bens produzidos nacionalmente. A razão é óbvia: se a moeda enfraquece face a outras moedas congéneres estrangeiras, isso significa, por definição, que passa a ser necessário ter uma maior quantidade de moeda nacional para adquirir o mesmo bem ou serviço importado.

Bens produzidos nacionalmente também encarecem, pois as indústrias produtoras utilizam bens e serviços importados ou, no mínimo, peças importadas. Uma simples empresa que utiliza computadores e precisa continuamente de comprar peças de reposição vivenciará um grande aumento de custos.

Pior ainda: os preços dos alimentos são directamente afectados pela desvalorização da moeda. Com a desvalorização do Kwanza, no mercado internacional, a aquisição de petróleo, café, bananas, diamantes, etc. ficou muito mais barata para os estrangeiros com moeda mais forte.

Consequentemente, as empresas e produtores angolanos dessas matérias-primas passaram a vendê-las em maior quantidade para o mercado externo, gerando uma diminuição da sua oferta no mercado interno e um aumento dos seus preços pela escassez de bens e serviços em Angola.

A desvalorização cambial mexe com toda a estrutura de preços da economia, aumentando a taxa de inflação, reduz o poder de compra dos consumidores, gera aumento das taxas de juro do banco central, encarecendo o preço do dinheiro na banca comercial, entre outras consequências directas e indirectas.

Qualquer moeda é antes de tudo um meio de troca, substituindo a troca directa de bens por bens, como era feita há muitos séculos. É através da moeda corrente que permite os cálculos de custos e proveitos de projectos e investimentos.

Sendo o Kwanza uma moeda de circulação fechada, instável, sendo das moedas que mais caiu em valor, influencia negativamente a vontade de investir num país com este critério depreciativo.

Quando investidores investem — principalmente os estrangeiros —, eles estão, na prática, a comprar um fluxo de renda ou lucro futuro. Para que investidores (nacionais ou estrangeiros) invistam capital em actividades produtivas, eles têm de ter um mínimo de certeza e segurança de que terão um retorno positivo.

Mas se a unidade de conta é diariamente distorcida e desvalorizada, se a sua definição é flutuante, há apenas incerteza no lado do investidor, independentemente da sua origem. Se um investidor não faz a menor ideia de qual será a definição da unidade de conta no futuro (sabendo apenas que seu poder de compra certamente será bem menor), o mínimo que ele irá exigir serão retornos altos num curto espaço de tempo, também por isso os preços e margens aplicadas em Angola terão que ser necessariamente maiores para compensar possíveis desvalorizações da moeda.

E há outro factor: uma moeda estável cria as condições necessárias para a transferência de conhecimento. O conhecimento acompanha o investimento: o capital estrangeiro vem acompanhado de conhecimento estrangeiro.

Se um país desvaloriza continuamente a sua moeda, ele está a dar um sinal claro aos investidores estrangeiros: mantenham o vosso capital e conhecimento noutros países.

O máximo a que um país de moeda fraca pode aspirar é utilizar para fins de curto prazo o capital puramente especulativo (o chamado “hot money”).

Um país de moeda forte e estável envia um sinal bem diferente ao mundo: “tragam o vosso dinheiro; mandem para cá os vossos especialistas; construam as vossas fábricas aqui; ensinem-nos tudo o que vocês sabem; e riqueza que vocês criarem aqui voltará para vocês multiplicada e numa moeda que mantém o seu valor”.

E é exactamente por isso que uma moeda forte e estável é indispensável para o crescimento económico. Quando a moeda é estável, investidores têm mais incentivos para se arriscar e financiar ideias novas e ousadas; eles têm mais disponibilidade para financiar a criação de uma riqueza que ainda não existe. O investimento em tecnologia é maior. O investimento em soluções ousadas para a saúde é maior. O investimento em infra-estruturas é maior.

Quando a moeda é instável — ou passa por períodos de forte desvalorização, os investidores preferem refugiar-se em investimentos tradicionais e mais seguros, como títulos do governo, ouro, etc.. Neste cenário, não há segurança para investimentos de longo prazo, que são os que mais criam riqueza.

É exactamente por isso que, em países cuja moeda tem histórico de alta desvalorização, (alta inflação de preços), são raros os investimentos vultosos de longo prazo. É por isso que, em países cuja moeda tem histórico de alta desvalorização, os juros são altos. É por isso que, em países cuja moeda tem histórico de alta desvalorização, os bens produzidos são de baixa qualidade. É por isso que, em países cuja moeda tem histórico de alta desvalorização, as pessoas são mais pobres.

Segundo alguns economistas, a desvalorização do câmbio é o segredo para impulsionar a indústria e o sector exportador de qualquer país.

Ao desvalorizar-se o câmbio, segundo eles, as exportações são estimuladas e, liderada por um aumento nas exportações, a indústria volta a produzir e, por conseguinte, toda a economia volta a crescer.

O primeiro grande problema é que, no mundo globalizado em que vivemos, vários exportadores são também grandes importadores. Para fabricar, com qualidade, os seus bens exportáveis, eles têm de importar máquinas e matérias-primas de várias partes do mundo. Uma mineradora e uma siderúrgica têm de utilizar maquinaria de ponta para fazer seus serviços. E elas também têm de comprar, continuamente, peças de reposição. O mesmo vale para qualquer indústria.

Se a desvalorização da moeda fizer com que os custos de produção aumentem – e irão aumentar -, então o exportador não mais terá nenhuma vantagem competitiva no mercado internacional.

Folha 8 com Lusa

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